Intervenção do Presidente da ASF na conferência "A Inovação e a Transformação nas Seguradoras em Portugal: Visão dos Stakeholders do Setor", promovida pela Católica Lisbon School of Business & Economics
Do Risco à Resiliência: A Jornada da Inovação Responsável no Setor Segurador
Senhoras e senhores,
É com enorme satisfação que participo nesta conferência dedicada à inovação e à transformação digital no setor segurador – um tema que considero absolutamente central para o futuro da nossa atividade.
Gostaria de começar por felicitar a Universidade Católica pela organização desta iniciativa e por reunir um conjunto tão relevante de participantes: representantes das associações do setor, parceiros tecnológicos, académicos e profissionais que, como eu, acreditam no potencial transformador da tecnologia.
Vivemos um período de transformação digital acelerada. A inovação tecnológica deixou de ser uma opção estratégica para se tornar numa necessidade estrutural. As seguradoras estão a investir na modernização da sua cadeia de valor, incorporando soluções que promovem agilidade, eficiência e proximidade ao cliente.
Contudo, esta transformação não é homogénea. A capacidade financeira, os recursos humanos e técnicos, a qualidade dos dados, a literacia digital – tanto interna como externa – e a própria regulação são fatores que condicionam a velocidade e profundidade da mudança.
Paralelamente, assistimos ao nascimento de um ecossistema de insurtechs, que trazem uma abordagem ágil e centrada no cliente. Estas empresas, muitas vezes pequenas em dimensão, mas grandes em ambição, desafiam os modelos tradicionais, redesenham a jornada do consumidor e empurram os operadores incumbentes para soluções mais inovadoras.
Este movimento é saudável e necessário. A inovação não se faz apenas dentro das organizações, mas também através da colaboração com quem pensa fora da caixa.
Mas a digitalização, como sabemos, traz não só oportunidades, como também novos riscos – ou acentua os já existentes. Falo de riscos cibernéticos e operacionais, riscos de governação e subcontratação, riscos de discriminação e exclusão financeira, e riscos sistémicos associados à concentração de prestadores tecnológicos.
A utilização de inteligência artificial, especialmente na sua vertente generativa, levanta preocupações adicionais: desde a qualidade dos dados à supervisão humana, passando pela transparência e explicabilidade dos algoritmos.
Internamente, as seguradoras enfrentam desafios estruturais que não podemos ignorar. Os sistemas legados, pouco escaláveis, dificultam a inovação. A superfície de ataque digital aumenta, os ciberataques tornam-se mais complexos, e a dependência de fornecedores de IT representa um risco sistémico. A redução das interações humanas pode comprometer a supervisão e a empatia, e a qualidade dos dados – que são hoje o verdadeiro combustível das organizações – torna-se crítica.
Mas há também oportunidades claras e promissoras. A modernização tecnológica traz ganhos de eficiência operacional. O reforço da segurança e da conformidade é possível. A integração e interoperabilidade de sistemas permite uma visão mais holística. A tomada de decisão estratégica pode ser apoiada por informação em tempo quase real. E há espaço para reforçar a literacia digital em toda a organização, avaliar a exposição a terceiros, garantir a continuidade do negócio e reposicionar a cadeia de valor com foco na segurança da informação.
Neste contexto, a regulação assume um papel determinante.
O Regulamento DORA vem uniformizar e harmonizar as exigências relativas à segurança das redes e sistemas de informação no setor financeiro. Impõe requisitos robustos de resiliência operacional digital, gestão de riscos tecnológicos, supervisão de terceiros e notificação de incidentes. Mais do que uma obrigação, é uma oportunidade para reforçar a confiança e a robustez do setor.
O AI Act, por sua vez, introduz uma estrutura baseada no risco, que distingue claramente entre sistemas de alto risco e sistemas de risco limitado ou mínimo. No setor segurador, esta distinção é particularmente relevante, uma vez que apenas algumas aplicações – como a avaliação de risco e a fixação de preços para seguros de vida e de saúde são classificadas como de alto risco. Estas aplicações estão sujeitas a um conjunto rigoroso de obrigações legais.
Para os sistemas de alto risco, os requisitos incluem: gestão específica dos riscos, governação robusta dos dados, documentação técnica detalhada, manutenção de registos, supervisão humana contínua e garantias de transparência, robustez e cibersegurança. Além disso, os fornecedores destes sistemas devem implementar sistemas de gestão de qualidade, realizar avaliações periódicas de conformidade e comunicar com as autoridades competentes. Esta abordagem visa mitigar os riscos para os direitos fundamentais, a segurança e a integridade dos processos decisórios que envolvem indivíduos.
Por outro lado, os sistemas de IA que não se enquadram na categoria de alto risco – como os utilizados em tarefas administrativas, apoio à decisão ou análise de padrões – estão sujeitos a requisitos mais leves, centrados sobretudo na transparência e na explicabilidade. Nestes casos, recomenda-se a adoção de boas práticas voluntárias, como códigos de conduta, sem imposição de obrigações legais tão exigentes. Esta dicotomia regulatória permite que a inovação tecnológica avance de forma proporcional ao risco envolvido, promovendo a confiança dos consumidores e a responsabilidade das entidades seguradoras na utilização da IA.
Em minha opinião, a gestão de risco deve ser proporcional à complexidade e impacto dos sistemas utilizados, promovendo uma cultura de responsabilidade e inovação consciente. A inteligência artificial não deve ser vista apenas como uma ferramenta de eficiência, mas como um elemento estratégico que exige supervisão contínua, avaliação crítica e compromisso com os princípios fundamentais da ética. Só assim será possível garantir que os avanços tecnológicos contribuem para um setor mais resiliente, justo e centrado no cliente.
A transformação digital é inevitável. Mas não é apenas tecnológica – é cultural, estratégica e humana. Parte das pessoas, vive nos processos e reflete-se na relação com o cliente.
As seguradoras que não acompanharem esta evolução arriscam perder competitividade, relevância e, em última instância, os seus clientes.
A supervisão e a regulação devem acompanhar este movimento com proximidade, flexibilidade e visão. Devem identificar a inovação, compreender os seus impactos e, quando necessário, ajustar o quadro regulatório para promover eficiência sem comprometer a proteção do consumidor.
É neste espírito que a ASF irá consolidar a sua estratégia para o futuro. A nossa visão é clara: queremos ser um regulador de referência, pilar da confiança no sistema financeiro, posicionando-nos na vanguarda da supervisão para garantir um mercado sólido, inovador e centrado nas pessoas.
Acreditamos que a tecnologia e os dados devem ser utilizados para agir de forma preditiva e ágil, promovendo a inovação segura em benefício dos consumidores.
Na era digital, assumimos o papel de catalisadores da inovação responsável. Supervisionamos com rigor os novos riscos tecnológicos, com especial atenção à resiliência operacional e aos desafios da inteligência artificial. Mas, ao mesmo tempo, trabalhamos para criar um ambiente que favoreça a inovação segura, que beneficie o consumidor e que fortaleça o mercado.
Abraçamos o potencial da tecnologia para criar valor. Monitorizamos ativamente os desenvolvimentos e procuramos habilitá-los com segurança, através de um quadro regulatório claro, transparente e confiável. A inteligência artificial, em particular, merece a nossa atenção especial: queremos que o seu uso se traduza em soluções mais justas, acessíveis e centradas nas pessoas.
E para que tudo isto seja possível, estamos a transformar a nossa supervisão através da utilização estratégica de dados. Acreditamos que a supervisão do futuro será preditiva, inteligente e eficaz. Para isso, estamos a consolidar a nossa infraestrutura tecnológica e a evoluir as ferramentas de análise, sempre com um foco claro: antecipar riscos e atuar com rapidez e precisão.
Senhoras e senhores,
A transformação digital é um caminho exigente, mas é também uma oportunidade única para reposicionar o setor segurador como um pilar de confiança, inovação e valor social. A ASF está comprometida com este futuro, e com todos os que nele acreditam.
Muito obrigado.